Herberto Helder. “O deslumbrado ódio ao quotidiano”

Com a biografia de Herberto Helder – Se Eu Quisesse, Enlouquecia –, João Pedro George expõe um lado sombrio e que cativa pelos elementos variados, intensos e esquivos da vida de um poeta que foi capaz das maiores extravagâncias, e de um tremendo desacato entre as hierarquias literárias, mas que, por outro lado, e contrariando a imagem pública de alguém que recusava aparecer, tudo fez pela consagração, exercendo uma vigilância e influência maníacas de forma a orientar a recepção da sua obra.
A morte raras vezes escapa ao enredo de uma indústria, mas, do outro lado, admite também um efeito de núpcias, um gozo e uma irreverência até ali imprevistos, uma audácia que trepa pelas traseiras e alcança os aposentos, colhe até à última gota o que se misturou nos copos meio vazios e embebeda-se, refaz-se e inventa a partir da reverência um tumulto perene, absorve o morto na própria carne, enche-se de estranhos pressentimentos. É dessa morte que nos falava ele, tão perto que podia ouvi-la respirar no avesso da carne, quando escreveu estes versos: “Já não me lavo./ Já nem mudo de roupa,/ Já nem como nem bebo”… E estes: “Se quereis que eu cante bem,/ dai-me uma pinga de vinho”. E se tropeçava nalgum reflexo seu e recusava esse confronto, era porque a imagem de si envelhecido era uma provocação. Restavam-lhe os fulgores breves da sua demoníaca mente, e via como era a morte o único passo que lhe restava, essa que se postava diante dele: “mais atenta, mais feroz, mais longa”. Herberto Helder morreu com 84 anos, às 16h15 do dia 23 de Março de 2015, uma segunda-feira, informa-nos João Pedro George nas páginas finais da biografia que lhe dedica. “Inerte no cadeirão, como um corpo qualquer, rodeado pela sua biblioteca, com milhares de livros arrumados em estantes, de cima a baixo das paredes, jazia um dos poetas portugueses mais importantes do século XX.” Esta indicação do vinte está a mais. Viveu ainda com o todo o excesso e exuberância, pelo menos no alcance que os versos lhe permitiram, já neste século, e nele cravou aquele dois dos movimentos culminantes da sua obra – A Faca Não Corta o Fogo (2008) e Servidões (2011) –, sendo que esta sua mais plena floração abrange sumptuosamente a tradição literária portuguesa nos seus momentos de maior radiância, dialogando febrilmente com outras modulações desse ofício exaltante, recolhendo essas estilhas agrestes nas mais diversas geografias e eras, e que ele foi vertendo com perícia e inigualável gosto, ardor e inquietação em português.
O que importa na poesia é o direito de regressar. De voltar pelo seu próprio pé, que no caso de um poeta será a voz, o canto enchendo a cabeça dos que chegam depois. “Os mortos falam, regressam. Isso a que se chama cepticismo, é a credulidade burguesa”, diz-nos Breton. Antes são de preferir esses que estão atentos, à escuta e dizem: “Creio nele” – diz-nos sobre o amor absoluto Alfred Jarry – “porque é absurdo, do mesmo modo que creio em Deus.” E aqui a crença mantém-se inalterada com o virar dos séculos, e os poetas são religiosos num sentido que só encontra o seu fio a partir de hábitos, hoje, terrivelmente arcaicos. Ernesto Sampaio lembra que “tal como outrora, quando das invasões bárbaras, se enterravam os vasos sagrados, confiando-se ao seio da terra-mãe para que um dia, muito mais tarde, outras gerações os exumassem, reanimando com o seu fervor o culto da verdade e da beleza”, ainda persistem aqueles que assumem esse compromisso com um tempo mais vasto, uma razão que não se coaduna com “as hipotéticas universalidades comunicativas”, e se vê assim “obrigada pela sua própria ‘miséria’ a fermentar, revolver, ferir continuamente as hierarquias e articulações do discurso”, dirigindo-se para os outros, os que criam em si mesmos as condições para superar o inverno, reaquecendo e fazendo despontar essa “semente secretamente viva” que aguarda na noite profunda da terra.
Chegamos ao fim desta leitura sem aquela extenuação que se esperaria depois de uma tão porfiada descrição dos pormenores de uma existência nalguns aspectos quase absurda, de uma rudez divina, noutras tão vulgar e comum, sendo que o relato vive desse cruzamento de enredos a vários níveis, desde a espuma mais baixa às revelações e aberturas mais graciosas, aos termos e frases que nos salpicam com o magma de uma inteligência tão sugestiva, revoltosamente deslumbrante. As noites iam colando, seguindo esses ramos tão apinhados de detalhes, criando contrastes espantosos, da maior crueza e indigência ao vigor narcotizante. E fomos passando depressa as páginas, e eram tantas, felizmente, com a sensação de enfim ter sido contrabandeado e chegado às nossas mãos esse manancial que nos fora sonegado, sendo até aqui sempre celebrado este poeta pela sua “insolvência biográfica”. Ora, se Breton pregava que “a beleza está na recusa”, a qualidade desta liga-se a uma urgência em apagar um rastro, e é o que faz desta uma dessas raras biografias que não precisam convencer-nos sobre o seu apelo, a sua condição quase nefária, um exercício profanador e que vinga contra os desejos últimos do “autor”, que tudo fez para alcançar essa condição do ser perpetuamente condenado pela insanável ânsia dos elementos de ligação que foram elididos, tornando uma obra essa força assombrosa e que afecta de forma duradoura o modo como respiramos na relação com o mundo, quanto mais nos embrenhamos nele. Mas essa mesma condição pela qual tanto se bateu, depois detesta-a. É uma história conhecida. Como ele assinalava em Photomaton & Vox, “a juventude alimenta-se do que as garras apanham, e os antigos defendem-se das gerações insaciáveis atirando carne podre”. De algum modo o seu silêncio, em lugar das explicações que funcionariam como um bálsamo, um elemento apaziguador, actua de forma a excitar essa ânsia, não oferecer justificações nenhumas, e afogar cada um dos seus caminhos. Não faltam autores cuja biografia não passa de um caule para sustentar o dispêndio de energias com uma obra que pouca margem deixa à vida. Um Fernando Pessoa, por exemplo, tem uma existência que se confunde como um quadro penitenciário, e isto mesmo se pressente nas coisas que escreveu, sendo o excesso uma vingança sobre a sua abnegação, e tendo sido consumido pela recusa, a beleza de que era capaz estava longe de ser convulsiva. Era um homem que tinha os órgãos todos metidos na cabeça, digeria e fazia as suas necessidades dentro daquela metafísica, e, por isso, tudo aquilo é agastadoramente genial, mas não surpreende, não causa verdadeiro alvoroço, tem pouco dessa estranheza dos lugares avassalados, dos ritmos que impõem as espécies invasoras, desse distúrbio e caos gerado à passagem de uma inteligência bem mais que lúcida, voraz, arrasadora, estrangeiríssima, quase alienígena. Naqueles escritos que tanto se multiplicavam por lhes faltar a radicalidade mais peremptória, aniquilante, voltamos lá e tudo aquilo são demasiadas voltas em roda de uma ausência crescente, a ausência de si, e depois não há matéria para grandes combustões, para um desvario que não aceita compromissos. A diferença é chocante: de um lado uma existência inteiramente subjugada à obra, do outro uma obra como uma imposição demoníaca sobre a existência de um homem. Por isso, faltam àquele esses mistérios que se traz na carne como uma doença selvagem e que não se compromete com as descrições médicas nem com os princípios naturais. Dizia algures Lezama Lima que, dado o corte com a natureza, foi sentido por uns quantos a necessidade de explorar esse lado sobrenatural das coisas. Há quem fale de psicose a propósito da escrita de Herberto Helder, mas isso é estar a querê-lo explicar e confinar às avaliações regulares do hospício mental em que as nossas noções vão definhando. É estar a abrir o manual das patologias de ordem psíquica que se atiram sobre alguns seres para repor a ordem, para devolver todo o desacato a uma explicação que esfria, lhe retira a sua exemplaridade mágica. E, mesmo nestas coisas da poesia, não faltam os funcionários com as suas aturadas descrições tão convenientes ao exercício de contenção, tratando de amortecer com uma frieza clínica os fenómenos que por todos os meios buscam escapulir-se à trama das hipóteses académicas, esses que se evadiram de todas as vezes que os quiseram encerrar nalguma cela, recusando o plano de recuperação de acordo com os valores sociais. Ora, Herberto tinha bem claro como o criador nutre o seu sobressalto do lado da destruição, resgatando o delírio como processo de invenção, arrastando “as palavras de um extremo ao outro do universo”. Sabia também que a poesia se reforça desses “acontecimentos na fronteira da linguagem” (Deleuze), remontando àquela noite única e constante que perdeu a sua história, que recusa vir indexada, obrigando cada acesso a ela a ser encontrado pelos artistas a um alto custo e com todo o risco para a sua sanidade. Esta consciência está por todo o lado na obra de Herberto, esse pacto noctívago ligando aqueles que acatam os maiores abusos de forma a vislumbrarem essa “astronomia de imagens essenciais”.
Eis o poeta que amava as tradições arcaicas, os casos insólitos, os feitos sem explicação. Aquele que refazia o corpo por meio das mais estrénuas metamorfoses, tornando-o “poroso, esse lugar sem fronteiras, espaço de múltiplas travessias”, e que andou sempre por essas inclinações, pesquisando nas zonas mais ermas, peneirando as matérias mais radiosas e bruscas, e, então, se algo o feria inadvertidamente, é bem notório como se demorava com uma paciência que era a sua maior exuberância, remexendo a frase, fazendo ressaltar então o recôndito, “o lugar onde a carne é comida, e ressurge, mercê da aliança da linguagem com as formas”. De tal modo que o mundo lhe surgia à maneira de alimento, para com o seu corpo devorá-lo. E essa “bela ferocidade da carne” combina a fome e o desejo sexual, assim ele “canta porque gosta de sentir na garganta o efeito corrosivo do léxico sexual” (JPG), esses vocábulos prenhes, ferozes, “límpidos, loucos”, que formam “linhas sem tropeço, de osso, nervo, sangue, sopro/ e qual a matéria, e a razão, e a coesão, a força interna do capítulo do assombro?” Tudo se torna elemento dessa vertigem lúbrica.
Diz-nos ele na densa e poderosa nota que abre a sua antologia das vozes comunicantes – Edoi Lelia Doura –, como “a vitalidade nominal é intrínseca, metabólica: pode tender para o silêncio ou tomar o ganho de uma voz, mas não explica, age apenas, age como substância, forma e nome da realidade”. Toda a magia vem de um lento trabalho de cozedura, da recolha dos ingredientes certos, levados a um apuro extremo… “preparou-se o tempo que se torna agora exterior e vivo”. Trata-se, portanto, de um exercício de rigor de tal modo grave que prende nas partículas um elemento de pavor e fascínio, como debruçar-se sobre uma escala terrífica para a nossa condição, o modo de nos ligarmos ao tempo. Por isso nos fala dessa ordenação em que o sopro incandesce as imagens, e estas por sua vez combinam fervorosamente “os terríveis substantivos da terra, objectos vivos”. Há uma discriminação ferocíssima para se alcançar este efeito, um juízo que de tal modo sopesa cada componente, que receamos ser vistos e não sermos encontrados. “Neste sistema de vozes não deixa a natureza que entrem outros veios”. E logo o tempo se vê sujeito a uma arquitectura subtilíssima aludida através da imagem de “uma clepsidra para ajuste de certas horas, porventura nocturnas, marcando a dominação e os passos de um sol negro magnificante.”
Muitos ficaram apavorados com as notícias da tal antologia que incidira sobre a poesia portuguesa contemporânea, para depois ficarem desolados quando se confirmou como ele fora impiedoso, deixando tantos dos seus vultos e seus industriosos e insinuantes sabujos de fora, definindo ali “uma comum arte do fogo e da noite”, sujeita àquele “patrocínio constelar”. Mas se Herberto foi toda a vida um juiz de uma severidade magnífica, se assumia que aquela antologia era “de teor e de amor, unívoca na multiplicidade vocal, e ferozmente parcialíssima”, depois era também calculista, frequentemente covarde, manipulador nas relações que estabelecia entre parêntesis, intimamente, procurando sempre obter o favor dos outros, tecer a sua vasta rede de influências, manobrando-os, dizendo a Gastão Cruz, por exemplo, que estava a planear um segundo volume onde os seus poemas e os de Sophia, Eugénio, Franco Alexandre e mais alguns encontrariam o seu lugar. Nas tantas cartas que saíram do seu punho e que nos foi agora possível ler, vemos um ser de uma obstinação doentia, vemos o outro lado dos versos, desta soberania magnificente, vemos esse canalha urdir a sua trama, enredar os demais com seduções e falsidades (“sou uma criatura devastada pelo egoísmo”), produzindo o seu veneno. Percebemos como o mito do poeta obscuro, toda aquela sua recusa tão enfática, foi exercida segundo uma duplicidade maníaca, mantendo os seus emissários, sendo ele o maestro que distribuía as pautas e ia dispondo da crítica como a sua orquestra pessoal. Era demasiado obsessivo para se permitir depois deixar por mãos alheias a instrumentação, afinação e reprodução das suas composições, tendo programado e construído com igual zelo a recepção da sua obra. No fundo, não podia confiar nos instintos ou na inteligência dos demais para estarem à altura do seu magistério, e se havia já demasiados rumores sobre os seus dispêndios de energia não só em escrever, mas depois em garantir que os seus escritos eram lidos de forma a satisfazer aquela sua vontade de poder, esta biografia, tão generosa no acervo da correspondência do poeta que coloca ao nosso dispor, mostra-nos como a genialidade dos versos talvez ainda tenha sido superada pelo magistral enredo cínico daquele que fingia esquivar-se à atenção pública, mas que fez de tudo para condicionar cada linha que se escreveu sobre ele. Não foi só a tinta e o papel que souberam manter desperta a imaginação, foi toda a trama de que fez cercar a obra, conferindo-lhe uma representação aurática que parecia perdida, uma forma de desprender o calor e a reverberação ou sobressalto causado por aqueles versos. Esses sublinhados, essas atenções e reptos, tudo isso é ainda uma forma de trabalho literário, como esta biografia nos faz ver, e nem faria sentido agora virmos exibir laivos de indignação, sendo natural assumir que um poeta seja esse que se implica até ao limite e apura cada detalhe querendo levar até ao fim os seus efeitos, e assegurar que as suas intenções erguem um inferno digno delas. Ora, é para garantir que o curso desse mundo autónomo não tenha lacunas e a memória não deixe extinguir as ramificações que ele abriu nela, iluminando-a, comunicando na forma um fulgor essencial, que este se sente legitimado e, ainda que o esconda, quer fazer passar tudo isso como evidência do seu escrúpulo. De resto, não se pode exigir a um ser que procura afectar todos os recursos à sua visão desafiadora que acate os limites à sua jurisdição a partir de um certo ponto, ficando à mercê dos leitores, da sua incúria ou confusão constante de planos. “É estranho que se critique os poetas por usarem o elemento surpresa, como se não desejássemos sempre que nos disparassem um tiro de revólver na orelha para nos impedir de estar atentos durante alguns segundos”, escreve algures Breton. No caso de Herberto, a sua intenção parecia ser a de inebriar por todos os meios o seu leitor, cativar um fascínio desmedido, e torná-lo especialmente sensível às suas sugestões, àquela veemência extraordinária dos versos que, não sendo lidos à temperatura certa, se tornam bastante ruidosos, sôfregos, um tanto patéticos. Como ele mesmo refere em Os Passos em Volta, “(…) procuramos, com a nossa história simples e desesperada, atrair o cuidado, o fervor alheio. É assim. Renovamos a espera inútil; o milagre onde não há milagres; a luz ao fundo, sempre ao fundo. Somos ilegais, em cada dia criamos uma rápida, brevíssima beleza surpreendente contra a face do pavor.”
João Gaspar Simões, que mais tarde viria a render-se, começou por pressentir como “a fluência das imagens nos versos deste poema [O Amor em Visita, de 1958] tem de ser ‘forçosamente’ poesia. (…) Temos, pois, de aceitar como poesia a torrente de imagens, o caudal de metáforas, o curso impetuoso das palavras (…) Mas confessamo-nos pouco seguros na nossa opinião quanto à qualidade intrínseca dessa veia poética, dessa linfa verbal. Será ela tão pura quanto parece, vista assim no seu curso rápido e necessariamente caótico? Não correrá ela tão depressa, e tão fluida, e tão rápida, e tão tumultuosa, e tão pouco clara precisamente porque quanto mais depressa correr, quanto mais tumultuosa fluir, e quanto menos clara avultar menos oportunidades nos dará de analisarmos a composição intrínseca?”
Esta não deixa de ser ainda, e passadas quase sete décadas, uma das mais prescientes e decisivas acusações a uma poesia que se serviu de todos os artifícios, e desde logo do encadeamento metafórico que espicaça esses que aspiram a um vago desnorte e tonturas que possam passar como sintomas do choque que o infinito produz na carne, assim, ela foi-se aproximando de um modo de canto litúrgico, sendo das mais impuras e sinuosas, endividada com todo o campo das altas superstições, e gerando essa efusividade da parte de leitores que muitas vezes nem vão além da superfície, deixando-se submeter ao seu assombro, e abrindo mão de qualquer interpelação crítica. O efeito de surpresa e sobressalto acaba por ser muitas vezes esse elemento condutor, sendo uma poesia que pretende caçar, produzir o pasmo, sufocar o leitor em habilidades e por meio de sobreposições sinestésicas, gerando enlevo, amordaçando a razão, e anestesiando os outros sentidos… “a vida inteira para fundar um poema,/ a pulso,/ um só, arterial, com abrasadura,/ que ao dizê-lo os dentes firam a língua,/ que o idioma se fira na boca inábil que o diga,/ só quase pressentimento fonético,/ filológico,/ mas que atenção, paixão, alumiação/ ¿e se me tocam na boca?/ de noite, a mexer na seda para, desdobrando-se,/ a noite extraterrestre bruxulear um pouco,/ o último,/ assim como que húmido, animal, intuitivo, de origem,/ papel de seda que a rútila força lírica rompa, (…) obra-prima do êxtase das línguas,/ tudo movido virgem,/ e eu que tenho a meu cargo delicadeza e inebriamento/ ¿tenho acaso no nome o inominável?/ mão batida, curta, sem estudo, maravilhada apenas,/ nada a ver com luminotecnia prática ou teórica,/ mas com grandes mãos, e eu brilhei,/ o meu nome brilhou entrando na frase inconsútil,/ e depois o ar, e os objectos que ocorrem: onde?/ fora? dentro?/ no aparte,/ no mais vidrado,/ no avêsso,/ no sistema demoroso do bicho interrompido na seda,/ fibra lavrada sangrando (…) os dedos com uma, suponhamos, estrela que se entorna sobre a mesa,/ poema trabalhado a energia alternativa,/ a fervor e ofício,/ enquanto a morte come onde me pode a vida toda”…
Não deixa de ser uma estratégia fabulosa, a desta torrente que nos faz regressar à idade em que o mundo se punha diante de nós em sua plena fulguração sumptuosa, a sua indestrinçável linha onde não víamos uma falha onde aplicar um corte, nem princípio nem fim, mas só aquela voltagem absurda, aquele enredo excessivo, insistente, que nos assoberbava até os limites cederem. “A minha força é a desordem”, diz-nos ele. Mas o que se pressente a cada linha é a função diabólica de quem revira a terra toda com os seus elementos, e força o mundo a uma inversão drástica, para o adaptar aos seus fins, deixando-nos siderados com tamanha audácia prometeica.
Não temos necessariamente de opor a isto uma resistência seja de que ordem for. Mas também não há que ficar refém, e uma das coisas que a biografia de Herberto Helder deixa bem claro é como, desde os seus tempos de jovem perigoso, sendo sempre cauteloso e até avaro em confidências quanto ao enredo e expansão dos elementos que o inspiraram, nada na sua obra assume um efeito acidental, antes tudo se recobre de um carácter raro, de um sentido longínquo, de um vigor invulgaríssimo, e vamo-nos dando conta do grau de premeditação que há em cada um dos passos que foi dando e corrigindo, ficando claro também como cambaleava entre momentos de grandiosidade e outros em que se encolhia e parecia reduzido a um resto humilhado das suas projecções, e como, às tantas, aprendeu a virar a seu favor “esse processo de alternância dinâmica entre êxtases e depressões” (João Pedro George), e como uma e outra vez se regenerou voltando-se para os prodígios.
Aníbal Fernandes vai dizendo em diversos momentos da biografia que Herberto era um grande consumidor deste género literário: “Dizia mesmo que as verdadeiras biografias são aquelas feitas quando os amigos ainda estão vivos, porque o retrato é mais impiedoso, com todos os seus defeitos e qualidades.” Fernandes adianta que lhe emprestou dezenas de biografias, e afiança que ele sabia que no futuro haveria de ser feita uma biografia sobre ele. Assim, aqui está o pior e o melhor que se poderia esperar de um exercício à sua altura, com o mesmo grau de obstinação, e também a sua dose de malevolência. Não porque degrade o biografado, mas porque não transige de nenhum modo com os desgastantes requintes cosméticos a que nos habituam os das letras, querendo sempre passar com distinção e não causar agravos a ninguém. Nesse aspecto, João Pedro George é um cão farejando tudo, perseguindo sombras, fuçando até desenterrar cada pedacinho de osso, cada unha e cabelo, e depois trabalha tudo aquilo, e permite-nos ficarmos nós com a impressão muito distinta do homem, e isto nos seus elementos mais abjectos como nos mais exaltantes, mas despido daquela promessa solene, daquela mitologia de que se impregnou, fazendo de nós os crentes nessa espécie de milagre que deveria arrancar-nos deste abismo medíocre em que a época nos mergulhou. O problema é que, de cada vez que o líamos, por mais aliciantes que fossem os seus versos, nada acontecia, e esse fulgor não produziu sequer à nossa volta qualquer resplendor ou uma maior severidade nos juízos, mas ajudou até a aprofundar um sentimento de orfandade, essa acentuação de inspirações e ardores degradados, que nos obriga a confrontarmo-nos com a falta de ímpeto e de um génio verdadeiramente transformador. Se “para Herberto Helder escrever é manter viva a frescura de uma surpresa”, como assinalou António Ramos Rosa, a literatura tem-se limitado a reanimar de tempos a tempos em nós o gosto pelos efeitos, o desenvolvimento dos nossos dons, enquanto nós próprios continuamos a ser os mesmos, modificados apenas pela ânsia de registar algumas imagens e mais umas quantas frases saborosas, que, assim, vão camuflando a nossa gangrena.
Não deixa de ser curioso que o mais penetrante e leal dos leitores de Herberto tenha sido dos mais desancados por ele, supostamente por ter sido profundamente tocado, ao ponto de ter-lhe surripiado uma imagem ou outra, alguns termos, isso que, tão cioso (mas só das palavrinhas), Herberto não poderia deixar passar em branco, mesmo se, anos antes, parecia ter aprendido com o que se diz no “Júlio César” (Shakespeare): “o roubado que sorri rouba alguma coisa ao ladrão”. Pelo contrário, por não ter aprendido esta lição, esse episódio deixa claro como, mesmo tomado pela ira, é a mesquinhez o que nele prevalece, tratando de encarregar Maria Estela Guedes da vingança, de fazer o outro penar e amargar, ao ponto de se ter aventado a hipótese de tal denúncia publicada nas páginas do Diário Popular ter levado Ramos Rosa a uma tentativa de suicídio. Mais tarde, viria a sacudir a água do capote, atirando as culpas para a ex-amante. Seja como for, esta biografia só escandalizará as virgens ou aquelas ratonas velhas mais postiças, que tanto mais articulam os seus juízos com galanteios e se ungem com os valores morais, quanto, em privado, sabemos como vivem da tolerância dos demais face às suas fragilidades “bacteriológicas”. Mas se daquele jovem poeta que em tempos ambicionou “cair sobre Lisboa e devorá-la” podemos aproveitar algo é precisamente a consciência de que, se a autenticidade de uma existência pode, por um lado, consistir na sua própria ruína, por outro é a condição necessária para não se ver, em nome da literatura, a degenerar na literatice e na vida quotidiana. “Na verdade, que sensatos, que burocratas, que realistas ele são”, exclamava Herberto já em 1955. “No entanto, e infelizmente para eles, falta à sua atitude – como a todas as formas de academismo – uma condição essencial: a de representar um destino próprio, uma trabalhosa conquista de individualidade, uma verdadeira aventura.”
E se em certos momentos podemos irritar-nos com as crapulices e maquinações de Herberto, a biografia aponta sempre para uma voracidade, para um ser que soube furtar-se ao triunfo desta primavera de cadáveres, pavoneando-se e o vazio das suas razões de denúncia, mas faltando-lhes qualquer experiência sincera do espírito, e até qualquer elemento de risco. E se aqui temos alguém que pôde, durante largos períodos, levar uma existência tão esquiva, e mesmo se esteve sempre longe de se mostrar realmente generoso no olhar ou na atenção que tinha sobre os outros, pode admitir-se que a sua escrita terá sido o melhor que foi capaz de nos dar, desde logo pela forma como “aponta já ao horizonte absoluto de uma linguagem liberta em si mesma”. Isto é apontado por Ramos Rosa, que exalta a forma como nesta poesia “a consciência ultrapassa o mundo ultrapassando-se a si mesma”. “O poema deixa de ser o espelho da realidade exterior e visível, para se converter na forja ou na oficina em que se manipula uma matéria violenta e selvagem, essencialmente erótica e carregada de electricidade cósmica.”
Muito cedo, em versos hoje perdidos, Herberto identificava o poeta como “aquele que traz nas veias o riso/ e dentro do próprio riso – a morte”. Mais tarde, e numa carta a um amigo, enaltecia a figura soberba daquele moribundo que, sentindo a garra gelada da Morte a apertar-lhe a garganta, pede à amante que se dispa. “Ser cínico com a Morte – eis o que é ser sábio.” A sua escrita vive entre essa pregnância magnífica e um sarcasmo estupendo, muitas vezes difícil de detectar, como se fracturasse a existência, abrindo os sentidos à expectativa de um deslize sumptuoso e maligno, sentidos que às tantas já só vibram na iminência do mal. O mal aqui não é tanto uma categoria moral, mas um enlevo de ordem subversiva, que vem profanar o que antes assumia uma dignidade respeitosa. Assim, ele substitui os grandes signos religiosos, introduz-se a si mesmo e ao seu enredo conducente ao êxtase, num acto profanador que consegue passar impunemente. Tudo o que antes se concebia como os elementos de uma exaltação dirigida às divindades, agora combina-se com essas ninharias empoladas, os ritmos que devastam os céus, gerando universos como variações musicais, numa aurora de desastres para produzir uma excitação de ordem sensual. Poderíamos aqui falar num gozo pela decadência por manifesta incapacidade de alcançar uma veemência de ordem lírica que possa alterar minimamente esse colapso a que todos nos rendemos. Então, a revolta que resta à poesia enquanto revelação inseparável da nossa curta duração vira-se para o elemento demoníaco. E Cioran adianta que “invocar o diabo é ainda uma forma de colorir com uma réstia de teologia uma excitação equívoca que o nosso orgulho recusa aceitar enquanto tal”. Num certo sentido, Herberto foi sendo levado a encenar-se como uma espécie de monstro aos olhos dos demais, arrogando-se de um privilégio medonho, de uma arte obscura e fecunda, misturando a sabedoria, a amargura e a farsa, exercendo a sua verve para traduzir em deslumbramento o nojo que sentia diante do mundo que nos resta.
“Nunca houve nenhuma verdadeira inspiração que não tivesse nascido da anomalia de uma alma mais vasta do que o mundo… No incêndio verbal de um Shakespeare e de um Shelley sentimos a cinza das palavras, a emanação e vestígio da demiurgia impossível. Os vocábulos invadem-se uns aos outros, como se nenhum deles pudesse alcançar o equivalente da dilatação interior; é a hérnia da imagem, a rutura transcendente de pobres palavras, nascidas do uso quotidiano e erguidas, milagrosamente, às altitudes do coração. As verdades da beleza alimentam-se de exageros que, face a um tudo-nada de análise, se revelam monstruosos e ridículos. A poesia: divagação cosmogónica do vocabulário…”, escreve Cioran.
E agora pensemos quem, entre nós, nas últimas décadas teve tanta audácia a ponto de assumir que os seus passos, em vez de se arrastarem no fundo de um tempo negro, pudessem ritmar um sentido que representasse a procura de outra vida, de uma vida nova? Quem ousou escrever tão alto que nos desse a sensação de a sua voz estar misturada e ser até decisiva na compreensão das potências cósmicas? Quem aceitou o risco de cumular versos exorbitantes, estrepitosos, barrocos, notando que “tudo o que é húmido, e quente, e fecundo,/ e terrivelmente belo/ – não é nada que se diga por um nome./ Sou eu, uma ardente confusão de estrela e musgo”. Pense-se no atrevimento de falar assim quando tudo ao nosso redor se submete a esses meneios estéreis, aos “olhares aborrecidos que retiram às coisas toda a relevância” (Cioran)… E não seria o propósito da poesia justamente fazer o oposto, o de firmar por meio da atenção um gesto capaz de retomar a força genesíaca, de tal modo que “cada nome seria iluminado/ por todos os outros nomes da terra”.
No ensejo de reinstaurar o sentimento de uma eternidade dançante, um modo de costurar as coisas a um ponto em que a nossa percepção do tempo seja capaz de transcender e rivalizar com o Sol, Herberto recupera o sentido da realidade, despedaçando-a e devolvendo na forma de “cenas” que emergem a partir dos fundos da noite… “algum ‘teatro’ vem declarar-se pronto para as suas ‘leituras’/ o ‘movimento’ procura o ‘corpo’/ propriamente/ permissivo limpo uma ‘biografia’ de animal/ feita/ da sua fome e sede e da sua viagem ‘até onde’/ ‘lugares’ encontrados ‘narrativas’ a ocupar uma ‘atenção última’/ a flor que se organizou de um povoamento/ de ‘esforços’ florais ‘tentativas’ erros riquíssimos/ a cena traz ondas de treva o silêncio que a ‘tradição’ manda: ‘gaste-se’/ traz alguns truques de ‘estancar e escoar’”…
Podemos andar por esta obra, em todas as direcções, e achar indícios que se erguem e insurgem contra este “coração demissionário e este tempo demasiado embotado” (Cioran) que é o nosso. E poderemos usar do receio, sepultarmo-nos na nossa adoração, fincar numa postura reverencial, e supor que uma biografia em vez de nos trazer mais elementos de estudo, outros pontos entre os quais articular as “vibrações viscerais” que se organizam nesta obra, pode devassar o nosso “mito”, o qual se vem retraindo desde a morte do poeta, exibindo-se cada vez mais provinciano. Também podemos, por outro lado, admitir que tudo pode ser levado em conta, e que o exemplo a ser retirado daqui nunca poderá passar por ficarmos de castigo, entregues a mais outro culto amorfo. Como nos diz Ramos Rosa, nesta poesia “é a própria estrutura do desejo do eu que modela a matéria verbal, tornando-a aberta às energias libidinais que, ao libertarem-se na operação poética, transformam a realidade no seu próprio cerne. É esta violenta pulsionalidade que vai tornar a poesia de Herberto Helder cada vez mais liberta do significado, convertendo-a num canto material em que as relações vocabulares são regidas pelo magnetismo da própria realidade instintual.”
Mas entre as reacções de repúdio face às novas possibilidades de estender a contaminação, de armar de possibilidades novos caminhos, vimos já perfilarem-se as sacerdotisas que, em vez de sinais de um gozo diante das paisagens íntimas arrebatadas, das perícias a que poderemos lançar-nos no sentido de averiguar “o que fica/ de imortal nestas coisas mortais”, preferem exibir aquele pundonor de quem sente que lhe racharam o ícone.
E então apetece lembrar o arranque de uma das suas visões: “Era uma vez um lugar com um pequeno inferno e um pequeno paraíso, e as pessoas andavam de um lado para o outro, e encontravam-nos, a eles, ao inferno e ao paraíso, e tomavam-nos como seus, e eles eram seus de verdade. As pessoas eram pequenas, mas faziam muito ruído. E diziam: é o meu inferno, é o meu paraíso. E não devemos malquerer às mitologias assim, porque são das pessoas, e neste assunto de pessoas, amá-las é que é bom. E então a gente ama as mitologias delas. À parte isso o lugar era execrável. As pessoas chiavam como ratos, e pegavam nas coisas e largavam-nas, e pegavam umas nas outras e largavam-se. Diziam: boa tarde, boa noite. E agarravam-se, e iam para a cama umas com as outras (…) E depois amavam-se depressa e lavavam-se, e diziam: boa noite, boa noite.”
Talvez só haja motivos para que alguém escolha esconder-se para evitar ser interpretado à força e segundo estas categorias. Se, no entanto, cada poeta não pudesse deixar de ser considerado um monstro, por tudo aquilo que através da sua linguagem instigante nos mostra, então ninguém poderia exigir-lhe outra coisa que não a capacidade de escandalizar-nos. Caberia então aos poetas animar o espírito de contradição, dissolução, gerando novas irrealidades, incitando os demais a fugirem a um universo demasiado igual a si próprio. E servindo-nos ainda das impressões de Cioran, o poeta teria como tarefa garantir o desabrochar dos absurdos, revelando uma existência face à qual toda a visão nítida ficasse exposta pela sua indigência ridícula. Quando Herberto nos remete para um tempo em que o outono se enredava nos pulmões das casas, “e guardavam-se lentas estrelas/ nas arcas, a roupa onde/ o brilho se dobra”, quando ele vai e vem com aquele seu “rosto rápido”, e nos diz “– A paixão é pura maneira de inteligência,/ Deus recompensa o crime com a voracidade e a energia, a cegueira/ inspira o cérebro/ violento”, quando ele anda por entre o idioma, e sopra sobre ele esse “génio analfabeto”, arrancando tudo ao lugar aterrado onde a sua potência de variação é sufocada, sentimos como a linguagem pode tornar descomprometida a realidade, fazer-nos ouvir as altas águas descontínuas, as vozes,/ as frutas tecidas”, sentir “a profundidade dos quartos como pomares/ atmosféricos”. E quando estas coisas ocorrem de um instante para o outro, começamos a ficar estranhos para nós próprios, “sobe um soluço dos centros/ gravitacionais”, queremos aprofundar a ciência de tudo aquilo que só nos pode ser dado por um movimento inverso ao do mundo, pela recusa daquela aceleração que abre mão de tudo, que desentende desde logo “a lentidão tremenda dos aromas”, e nem procura “saber o que se esquece em som”.
A palavra é um pacto delicadíssimo com a realidade, e que mede o seu desajustamento. Somos mais sensíveis ao recusar a displicência de quem fala sem mergulhar nos efeitos dessa tradução do imprevisível. É a partir “do fundo expansivo dos quartos” que é possível acertar os relógios para forçar uma 25ª hora que expanda o sentido vesperal daqueles que vivem como condenados. A poesia é sempre um ganho que é feito através de uma perda, como esclarece Ramos Rosa. “A perda inerente à palavra, que não pode reproduzir o significado, porque o afasta, é, afinal, fecunda, uma vez que, através dela, outra relação se estabelece para além da fidelidade literal. Essa perda da palavra é a génese de uma palavra outra que visa à restituição das energias instintivas no texto em movimento.”
Herberto Helder confunde-se com o ideal poético na medida em que a sua recusa ganha forma entre as coisas do mundo, contra a sua disposição, traçando um quadro de anarquia revivificante, algo que de si não sabe mais do que o desejo de abandonar a repetição trivial, recusar a vulgaridade, ganhando fulgor de cada vez que intui como é a sua natureza hostil que anima os seus impulsos, escavando o tão necessário absurdo. “Ele é caso de vida ou de morte, fazer o absurdo”, escrevia Herberto num diário pessoal que abandonou na juventude. “Morríamos de muito sangue controlado, se o não fizéssemos. Esta demasia da imaginação imprudente cada dia nos salva desse dia. E então a própria miséria dele é uma coisa de beleza.”
Como esclarece Ramos Rosa, “através da separação e movido por ela, o desejo procura a unidade anterior à constituição das palavras e das coisas. E assim o poema, em todos os seus meandros, é sempre produção de Eros, que se estrutura na matéria verbal como uma formação do inconsciente. (…) A subversão das categorias do real é aqui completa, porque o poema situa-se no próprio movimento da metamorfose material. O organismo verbal abre-se ao que o sujeito não pode conhecer nem experimentar, ou seja, o desconhecido, a matéria interdita.”
Para que a vida comece a ser real, cada um deve descobrir o rosto que lhe é único, esse enlace doloroso e belo, aquilo que o cativa e liga, uma maneira de fazer a guerra e alcançar um hipnotismo particular, de modo a alcançar a “ressonância e a volúpia do tempo”, perfumar e alagar a sua solidão, repor a distância, medi-la segundo a forma como os sons podem preencher e afectar as relações entre os objectos. Herberto viu-se a nascer quantas vezes desse efeito de expansão e cadência verbal que herdara da mãe, que foi quem lhe leu os primeiros versos, e lhe transmitiu esse desejo de se furtar aos limites que a realidade a todos os momentos nos impõe. Do luto inconsolável daquela perda com apenas oito anos, da pessoa que mais lhe estava ligada, refez ele esse percurso aceitando “a aguda urgência do mal”… “E ouço a música, pinto o inferno./ É uma espécie de inocência ardente, um modo de ir para longe.”
Jornal Sol